Estamos desenvolvendo o ViiRotas com base em pesquisas que identifiquem as necessidades dos usuários. Apresentamos nesse post o resultado da pesquisa etnográfica realizada em shopping centers, além da jornada do usuário criada a partir destes estudos.

Essa etapa do projeto consistiu em uma pesquisa de campo cujo objetivo era acompanhar em um ambiente real o comportamento de deficientes visuais no momento de compra. Segundo Lévi-Strauss (1958), etnografia inclui os métodos e técnicas relativos ao trabalho de campo, à classificação, à descrição e à análise de fenômenos culturais particulares.

A Etnografia é uma metodologia das ciências sociais, principalmente da disciplina de Antropologia, em que o principal foco é o estudo da cultura e o comportamento de determinados grupos sociais. (ZANINI, 2015)

A técnica que escolhemos foi a Sombra, que consiste em acompanhar um usuário ao longo de um período de tempo que inclui sua interação com o serviço a ser analisado. O pesquisador não pode interferir nas ações do usuário, devendo apenas observar. Com isso, surgem questões que não seriam reveladas em uma entrevista.

O pesquisador sugere o acompanhamento de um indivíduo, de forma não-obstrutiva, para estudar sua interação com o produto ou o serviço em questão. Sem levantar perguntas ou interferir na situação, a “sombra” deve registrar suas observações em um bloco de notas ou em fotografias ou filmes realizados de forma discreta durante o processo. (Vianna, 2012)

Durante o nosso projeto anterior, o ViiBus, acompanhamos um deficiente visual pegando ônibus para entender suas dificuldades. Entretanto, quando sabem que estão sendo acompanhados, não agem naturalmente. Por isso, dessa vez preferimos acompanhá-los sem interferir em sua rotina, apenas observando-os.

Os lugares escolhidos para a pesquisa etnográfica foram dois shopping-centers localizados no mesmo bairro que um instituto para deficientes visuais, e muito frequentados por esse público.

A atividade durou um dia, começando no horário do almoço. O pesquisador ficou localizado na entrada lateral do shopping, por ser mais acessível desde o caminho do instituto. Quando um visitante com deficiência visual entrava no prédio, o pesquisador acompanhava e anotava observações em um diário de campo. Segundo Falkembach (1987), diário de campo é o registro das observações dos fatos, acontecimentos, relações, experiências, reflexões e comentários.

O diário de campo facilita criar o hábito de observar, descrever e refletir com atenção os acontecimentos do dia de trabalho, por essa condição ele é considerado um dos principais instrumentos científicos de observação e registro e, ainda, uma importante fonte de informação para uma equipe de trabalho. Os fatos devem ser registrados no diário o quanto antes após o observado para garantir a fidedignidade do que se observa […] (FALKEMBACH, 1987).

Nossas anotações foram de observação, relatando o ambiente e as atitudes dos visitantes, e interpretativas, com reflexões a partir da análise do que já havíamos constatado nos outros estudos.

Durante as cinco horas da pesquisa, pudemos acompanhar cinco visitantes com deficiência visual. Abaixo, as anotações do que presenciamos:

Local: Shopping 1
Hora: 12:00 – 15:00

Observação:

  • Só havia piso tátil na calçada do lado de fora do shopping;

  • Dentro do shopping o piso tátil sinalizava escadas e rampas;

  • O totem interativo de informação é touch screen, sem feedback sonoro; dessa forma, não é acessível para deficientes visuais;

  • Dos dois totens testados, um não estava funcionando corretamente, sem precisão ao toque do usuário;

  • Havia muitos idosos desacompanhados;

  • Havia muitos visitantes caminhando e olhando para o celular;

  • Alguns restaurantes da praça de alimentação entregam uma senha escrita no papel para o cliente esperar o pedido. Quando a comida fica pronta, há um apito e o número aparece em um display, o que é impossível de identificar sem o sentido da visão;

  • Outros restaurantes apresentavam um dispositivo mais acessível, que vibrava, iluminava e fazia barulho quando o pedido ficava pronto;

  • A praça de alimentação é muito apertada, com muitas mesas e passagens estreitas.

Interpretação:

  • O piso liso do shopping não direciona os visitantes, não há referência de onde estão;

  • Os três deficientes visuais fizeram o mesmo caminho, pelo corredor sem lojas, mais vazio, mesmo sendo mais distante. Inicialmente, esperávamos que fizessem o caminho mais curto, mas foram pelo mais longo, com menos obstáculos;

  • A pessoa que vai acompanhá-los no banco tem que ser de confiança;

  • O totem interativo de informação ainda não é muito utilizado por pessoas mais velhas. Talvez tenham dificuldades em usar, ou talvez ele não tenha uma boa usabilidade;

  • A preferência dos visitantes por se informarem com um atendente ao invés de utilizarem um dispositivo digital é um desafio para a ViiSolutions;

  • A praça de alimentação não é um espaço inclusivo: por mais que o nosso produto direcione o visitante até um restaurante, ele ainda terá dificuldades em comprar e esperar a comida;
  • Como identificado na pesquisa exploratória, estrangeiros poderiam ser um público-alvo, já que poucos funcionários falam inglês.

Após o período de observação, conversamos com um segurança do shopping que frequentemente ajuda os visitantes com alguma necessidade especial. Segundo ele, é comum pessoas cegas irem sozinhas ao shopping; às vezes, alguém ajuda desde a rua até a entrada. Uma vez ali dentro, a encaminham para um segurança, que pergunta o destino do cliente e o leva até lá.

Local: Shopping 2
Hora: 15:15 – 17:15

Interpretação:

  • Percebemos que a visitante cega que foi sozinha ao shopping é levada de uma pessoa a outra, sem autonomia;

  • Problemas com a comunicação fazem com que ela seja levada para lugares errados. Às vezes, as pessoas querem ajudar, mas tudo o que fazem édeixá-la em um outro lugar, mesmo não sendo o destino desejado por ela;

  • Até mesmo a acompanhante sem deficiência visual estava perdida, sem saber onde encontrar o produto que estava procurando. Pediu informação a um funcionário e ao cego, mas nem assim encontrou o que buscava.

Analisando o comportamento das pessoas observadas em conjunto com as pesquisas feitas anteriormente, podemos traçar a jornada dos nossos usuários. Segundo STICKDORN (2014), a jornada do usuário é uma ferramenta para visualizar a sequência de etapas da experiência de uma persona usando um produto ou realizando um serviço.

Entendendo o comportamento do usuário, podemos aperfeiçoar a experiência do nosso produto atuando nos pontos de maior necessidade.

Homem, de óculos, carregando um paletó

Persona: Marcelo

Deficiente visual

Objetivo: Almoçar no shopping no intervalo do expediente

Persona: Teresa

Idosa

Objetivo: Fazer compras no supermercado


Bibliografia

FALKEMBACH, ELZA M. F. Diário de Campo: um instrumento de reflexão. Contexto e Educação. Universidade de Ijui. 1987.

LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural. 1958.

STICKDORN, M; SCHNEIDER, J. Isto é Design Thinking de Serviços: Fundamentos, Ferramentas, Casos. Bookman Editora, 2014.

VIANNA, M.…ET AL. Design thinking: inovação em negócios. Rio de Janeiro: MJV Press, 2012.

ZANINI, D. O que é pesquisa etnográfica? Disponível em: https://www.ibpad.com.br/blog/comunicacao-digital/o-que-e-pesquisa-etnografica/.

Leia também